DN - (1de3 Dias) - "Telles e Bastinhas: Mano a Mano Entre o Clássico e o Popular"

Sábado, 21 de Fevereiro de 2015
Telles e Bastinhas: mano a mano entre o clássico e o popular
Fotografia © Jorge Amaral/Globalimagens
A época oficial começou a 1 de fevereiro com os festivais taurinos, muitos de solidariedade, para testar cavalos e apurar a arte. O DN viu a pré-época, hoje com duas dinastias do toureio a cavalo.

Herdade da Torrinha, em Coruche, catedral dos Ribeiro Telles. Cavalos, toiros e vacas nos campos, cavalariça, picadeiro e tentadero antigos, não falta uma capela. Escola do toureio "clássico" - classificam - visível até nas paredes e objetos. Herdade das Algramassas, Elvas, museu moderno dos Bastinhas. Cavalos e searas, cavalariça, picadeiro e arena com todas as condições, selas, estribos e cabeçadas ordenadas, salão ornamentado com troféus e fotografias. "Popular?" Joaquim não se importa nada.

Doze filhos, 35 netos e um bisneto tem David Ribeiro Telles, que se tornou o primeiro cavaleiro profissional da família, aos 30 anos. Apurou a arte do avô materno, David Luizello Godinho, cavaleiro amador. Num cadeirão de uma das salas da herdade, aquecida à lareira, com o canal por cabo Toros em pano de fundo, aceita falar depois de uma primeira recusa, "por ter pouco a dizer". Mas chamam-lhe mestre e que fez escola. "Não é escola, tenho é uma maneira de ser."

"Ó avô, explique lá. Há quem diga que é a universidade da Torrinha" (ver entrevista), tenta ajudar o neto, Manuel Ribeiro Telles Bastos, também cavaleiro. David põe tento na retórica do neto: "Não escreva isso na minha boca. Os toiros e os cavalos já existiam com os meus avós, apenas segui o que já cá estava." E acrescenta: "Disseram-me um dia que um mestre só é verdadeiro mestre quando o pupilo é superior." E muitos pupilos por ele têm passado. Os Telles recebem praticantes e dão aulas. "A minha mãe chegou a ter o meu pai e os três filhos a tourear. Imagino a carga emocional. Não me lembro de ir tourear sem lhe dar um beijo. Fazia-me uma cruz na testa e dizia: "Segue em frente e aperta"", conta António Ribeiro Telles, o único dos três filhos no ativo. "Talvez seja o que mais procurou seguir-me", diz o mestre David.

O João Ribeiro Telles retirou-se. Ficou o filho, João júnior, a quem o avô aprecia a técnica. "É um grande elogio. Comecei como profissional aos 18 anos, que é a idade mínima, e só com muita vontade e querer é que se chega a essa técnica", agradece o cavaleiro Telles mais novo.

O terceiro filho cavaleiro, Manuel Ribeiro Telles, não tirou alternativa e dedica-se à agricultura. A família tem herdades e as ganadarias Ribeiro Telles (toiros bravos) e do Vale do Sorraia (vacas). O segundo neto toureiro é Manuel Ribeiro Telles Bastos, veterinário, a quem o patriarca admira a valentia. "A sério avó, acha-me valente?" Em formação está o filho de António, com 13 anos, outro júnior. "Ele gosta muito, mas isso não chega, tem de se fazer muitos sacrifícios", diz o pai.

Manuel R. T. Bastos vive desde os 15 anos com o avó, em Coruche. "A minha irmã encontrou fotos em que tenho 2, 3 anos e só há cavalos e toiros. Não me lembro de querer ser outra coisa." Aprendeu a respeitar os intervenientes no espetáculo. E também o ritual de rezar -"a alcunha do avô é D. José Policarpo". Traços de uma dinastia.

"Aprendi tudo com o meu pai. A máxima dele é o respeito. Não defraudar o público e fazê-lo sentir que valeu pagar o bilhete, só sair com o cavalo devidamente arranjado, dar prioridade ao toiro", explica António Ribeiro Telles. Fez 26 espetáculos em 2014. "E seriam muitos mais se aceitasse os convites de todos", mas "os toureiros não podem estar muito vistos, quando acontece começa a cansar a imagem e a perder a força".

"Há cavaleiros que, por estratégia, não querem tourear mais do que 20 touradas por ano. São menos vistos e é também uma forma de aumentarem o cachet", explica Paulo Pessoa de Carvalho, presidente da Associação Portuguesa de Empresários Tauromáquicos. Opção diferente é a de Joaquim Bastinhas que "trabalha numa economia de escala, tem uma estrutura mais montada para o negócio". O toureiro de Elvas é o líder das atuações, 54 em 2014. Seguem-se Luís Rouxinol (52)e Sónia Matias (43).

O apelido conta

"Começo a temporada a dizer que não faço mais de 20 a 30 corridas. Depois solicitam aqui e ali, por ser mais popular e carismático, ou porque fica bem no cartel tourear ao lado do meu filho, e eu vou aceitando", justifica Bastinhas pai.

E vai somando recordes: mais alternativas concedidas (24), mais touradas no Campo Pequeno (115), "só numa época fiz 12", tantas como as realizadas durante todo o ano de 2014 nesta praça mítica. "Entendo os convites como um reconhecimento. Fui sempre fiel ao meu público e sem preconceitos e dramatização do que é o toureio a cavalo. Considero-me um toureiro popular", aceita com agrado Bastinhas.

António, que é da mesma geração (ambos tiraram a prova de praticante a 9 de setembro em Vila Viçosa), reconhece o mérito, mas sublinha a diferença de estilos. "O meu é um estilo clássico, como se crava o ferro, como se encara o toiro..."

Joaquim Bastinhas, a quem em Elvas chamam maestro, gosta de dar espetáculo. Termina a lide com um par de bandarilhas, salta do cavalo e pega no capote ou na muleta para lidar o toiro. "Isso é emoção e tenho uma grande empatia com o público. Se comentam: "O Bastinhas é o cavaleiro do povo", só me traz benefícios." O respeito é, também, um vocábulo seu e o muito trabalho para se chegar ao topo. "Começo às 07.30, só paro para almoçar." São muitos os que vão à Herdade das Algramassas, em Elvas, para ver, aprender e treinar.

Marcos Tenório Bastinhas, o filho de Joaquim, segue-lhe as pisadas, "como o par de bandarilhas a rematar a lide e a conexão com o público", mas é diferente. "O meu é um tourear com câmbios [simulação da saída] e mais ao pitón [corno] contrário." O irmão, Ivan Nabeiro, foi fundador e cabo do Grupo de Forcados Amadores Académicos de Elvas. Dedicou-se à gestão das empresas familiares.

Meios e sabedoria é o que não falta nas duas herdades. E o apelido ajuda muito. "Há a facilidade de conhecer e ter alguém no meio, mas também é maior a responsabilidade", diz Manuel R. T. Bastos.

Marcos Tenório adotou o Bastinhas, a alcunha herdada do avô Sebastião Tenório cujas iniciais marcam os cavalos da coudelaria gerida pela mãe. Concorda com Bastos: "Hoje, a maior parte dos toureiros é de dinastia. Ajuda muito, a estrutura está montada, mas há sempre a comparação na praça e uma pessoa tem de demonstrar mais qualquer coisa por ser filho de quem é."

Texto: DN - Diário de Noticias Por: Céu Neves

Comentários

  1. São dois mestres em praça, mas adoro a adrenalina do Bastinhas, faz a praça vibrar.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário